domingo, 15 de dezembro de 2013

O estado quer que você o conheça. Isso é bom?


Como a educação é frequentemente apontada como a panaceia de todos os males por si mesma, sem maiores considerações, dificilmente alguém será contra qualquer proposta que adicione matérias à grade curricular, ou seja, "mais educação".

Pois bem, essa semana o Deputado Federal Romário apresentou projeto de Lei que inclui o estudo da Constituição Federal nos ensinos fundamental e médio. (Links: inteiro teor do projeto de lei | tramitação do projeto).

Façamos então estas maiores considerações:

O quê, exatamente, um aluno vai estudar ao ler a Constituição Federal?
A CF possui, basicamente, duas partes: uma que define os direitos dos cidadãos e outra que estabelece a estrutura política e jurídica do estado que vai fornecer isso.

A justificativa do Deputado é que é importante que nossos estudantes conheçam seus direitos para poder reivindicá-los. É exatamente o que comentei no post Educação pública sim; estatal não.: em vez de ensinar o valor do esforço próprio e da reivindicação de liberdade para poder exercê-lo, nossa educação se esforça em promover a ideia de que "cidadania é exigir direitos ao estado".

Quando se reivindica os mundos e fundos que a CF promete em seu art. 6º, especialmente, não se está reivindicando direitos e sim bens. É isso que educação, saúde, moradia, lazer, etc. são: bens, que precisam ser produzidos por uns para serem dados a outros. Nossa CF, como é da tradição socialdemocrata, consiste em fomentar a ilusão do estado como aquele arranjo em que todos vão viver às custas dos outros.

O estudo da Constituição, assim, é fundamental para nossas crianças aprenderem, agora do ponto de vista da lógica jurídica e legalista, aquilo que já foi ensinado à geração atual só como valores: que ser cidadão é se tornar um pedinte que sai por aí reivindicando que o estado lhe dê coisas.

A próxima geração, portanto, contará com pessoas que serão treinadas a pedir em juridiquês também. No que depender da nossa educação, nada mudará no teor das reivindicações — as pessoas continuarão protestando contra o sintoma (os 20 centavos) em vez de contra a causa (o sistema de concessão estatal no transporte público), por exemplo — mas agora saberão apontar também um embasamento legal para sua burrice.

Pode-se argumentar que o estudo da CF é importante porque o cidadão comum nem sequer está consciente de seus direitos.

É verdade, mas isto nos leva a outro ponto interessante:

O estado promete tudo a todos, não precisa atender a parcela de cidadãos comuns porque estes nem sabem dos direitos que têm, e mesmo assim o estado não consegue cumprir o que promete. O dia em que todos souberem dos seus direitos, a coisa tende a desandar de vez. Por exemplo, o dinheiro necessário para atender a demanda de apenas 4 pacientes do Ceará que pediram o cumprimento real do que foi prometido na CF na saúde ("a saúde é direito de todos e dever do Estado") corresponde a 67% do valor repassado pelo governo estadual para a compra de medicamentos básicos do município de Fortaleza inteiro. (Você pode ler mais sobre isso aqui: O Paciente de 800 mil reais.)

A solução, obviamente, não é manter as pessoas ignorantes quanto aos direitos prometidos, é PARAR de prometer essas mentiras impossíveis de serem cumpridas.

Este tipo de conclusão, no entanto, precisa de um enfoque CRÍTICO no estudo da Constituição para ser alcançada — enfoque absolutamente necessário, mas que não está nem de longe nos objetivos trazidos pela proposta do Deputado.

Ora, até Paulo Freire já dizia que é muita ingenuidade esperar que a classe dominante vá fornecer as ferramentas para a classe dominada reagir. O estado não vai fomentar a crítica a si mesmo ao ensinar a Constituição, e sim proporcionar que as crianças saibam apontar, agora com base na lei, o quanto e como devemos recorrer a ele para resolver nossas vidas.



Posts relevantes sobre o assunto:
- Educação pública sim; estatal não.
Uma proposta para melhorar a educação no país

- Direitos Sociais: aqueles que você paga mas não leva
- "Saúde não é direito humano". E daí?
Estes 2 posts abordam a natureza dos direitos sociais e a consequente impossibilidade de cumpri-los.


- Concessões e regulamentação: deveríamos mesmo comemorar a ação da ANATEL?
Uma explicação sobre a causa dos problemas na prestação de vários dos "direitos" prometidos.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Mais sobre telecomunicações: o caso da Guatemala

No post sobre Concessões e regulamentação falamos sobre os problemas do setor de telecomunicações brasileiro, e como eles são causados pelo sistema de concessão adotado pelo governo, que permite que um pequeno grupo de empresas privadas conquiste o "direito" de explorar os serviços de telefonia numa área por determinado tempo, sendo protegidas pelo estado da entrada de novas concorrentes.

Mas como deveria ser feito este processo? Felizmente existe um caso real na Guatemala, em que as ideias capitalistas foram aplicadas. A história inicial é simples e praticamente idêntica à do Brasil, em termos proporcionais: em 1995, havia 11 milhões de habitantes no país e apenas 289 mil linhas telefônicas. Um novo presidente foi eleito e nomeou para a direção da estatal telefônica um economista de formação libertária, Alfredo Guzmán, graduado na Universidad Francisco Marroquin, atual centro austríaco da América Latina (graduandos de lá fazem matérias obrigatórias que utilizam Mises e Hayek como bibliografia).

Ao nomear Guzmán, o presidente recém-eleito da Guatemala lhe fez um único pedido: "Quero muitos telefones por todo o país. E rápido!". Vejam com Guzmán resolveu a situação:



Resumindo os pontos importantes: o mercado foi aberto para absolutamente toda e qualquer empresa, nacional ou estrangeira. Qualquer empresa, de qualquer país, que quisesse ir ofertar seus serviços na Guatemala tinha a total liberdade de fazê-lo. Sem qualquer restrição governamental. Não haveria privilégios, nem subsídios e nem restrições à livre concorrência.

Esta é a diferença entre um livre mercado e um sistema de concessão como o que temos no Brasil atualmente.

Quanto aos resultados, a Guatemala tem atualmente uma população de 13 milhões de pessoas e mais de 18 milhões de telefones. Hoje em dia, até mesmo os mais pobres guatemaltecos tem telefones celular e aproveitam um serviço de alta qualidade por um preço relativamente baixo.