domingo, 28 de outubro de 2012

Direitos Legítimos (5): Vida


O entendimento claro do direito à vida requer saber que os verdadeiros direitos representam limitações à ação de outros, nunca obrigações para que eles ajam. É por isso que não existe conflito entre os direitos de uma pessoa e das outras com quem ela conviva. Uma definição clara do direito à vida é:

O direito à vida é o direito a não ter sua vida tirada pela ação de outro.

Há um ponto fundamental a ser destacado. O direito é expresso como uma negativa, e não por acaso. O direito à vida não obriga os outros a fazer qualquer coisa – apenas garante ao indivíduo que outros não agirão de forma a tirar sua vida. Em outras palavras, o direito significa que o indivíduo deve estar livre da ação de outros contra sua vida – não que os outros são obrigados a agir para que ele continue vivo.

Seguem alguns exemplos para ilustrar o conceito, primeiro casos em que há violação do direito à vida e em seguida casos em que não há.

Quando alguém mata outra pessoa intencionalmente, por qualquer motivo que não defender-se ou a um terceiro de um crime (violação do direito à vida, propriedade ou liberdade), ocorre violação do direito à vida. Este é o caso mais claro e inequívoco. Um assassinato passional, latrocínio, matar outra pessoa “em defesa da honra”, ou por causa da raça, ou orientação sexual são todos exemplos deste caso. Este caso é chamado homicídio doloso.

Quando alguém, como resultado de uma ação sua, causa a morte de outra pessoa mas não tinha intenção de matar, há duas possibilidades. Se o fato de que aquela ação poderia levar ao prejuízo da vida de alguém era previsível na situação em que se encontrava o culpado, houve violação de direito. Jogar um objeto pesado da janela de um prédio sem olhar para baixo matando outra pessoa, dirigir bêbado e atropelar alguém, despejar um produto tóxico em um rio e acabar causando mortes são exemplos deste caso. Este caso é chamado homicídio culposo.

Se a consequência fatal era imprevisível no momento da ação, não houve violação de direito. Um exemplo deste caso seria se ao tomar o elevador para o subsolo uma pessoa acabasse esmagando um técnico que estava dentro do fosso do elevador e esqueceu de desligá-lo. Este caso é chamado morte acidental.

Até aqui tudo bem, suponho.
O ponto interessante vem quando consideramos a omissão de socorro:

Rigorosamente, se alguém está morrendo de fome, um indivíduo se recusa a dar-lhe comida e a pessoa morre, não há violação de direito. O faminto morreu em consequência da inação (omissão) do indivíduo, não de sua ação. Não foi o indivíduo que causou a morte do necessitado, é a própria configuração da realidade que nos faz necessitar de alimento pra continuarmos vivos. Recusar-se a salvar a vida de alguém é fundamentalmente diferente de matá-lo – embora a ética religiosa pregue o contrário. Como os seres humanos são indivíduos independentes, ninguém tem a obrigação de sustentar o outro. Na maioria dos casos é vantajoso fazê-lo, mas nunca é uma violação de direito recusar-se. Se realmente seguíssimos essa lógica de responsabilização por omissão, o mundo todo deveria estar preso pelas milhões de mortes por inanição que já aconteceram e acontecem agora mesmo.

Não dar comida ao faminto, não dar remédio ao doente, não pular no rio para salvar quem está se afogando, não entrar em um prédio em chamas para salvar alguém – todos estes são exemplos de inação que pode levar a uma morte. Nenhum deles é uma violação de direitos (desde que, naturalmente, a situação de risco não tenha sido causada pela própria pessoa que poderia prestar o socorro). Não há obrigação de sacrificar sua própria vida ou propriedade para salvar a vida de outro. A opção por salvar aquela pessoa deve se basear no fato de que aquela vida é, ou pode se tornar, valiosa para si. Não há obrigação de fazê-lo.

O leitor já deve ter notado que há um choque entre esse post e nossa legislação penal Segundo o Código Penal (art. 135), omissão de socorro é crime e consiste em
"Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública".
O ponto a se notar, na parte destacada, é que o artigo não obriga a prestação de socorro quando ela for prejudicial ao socorrente. Resta-nos simplesmente uma norma que diz "ajude ou pelo menos peça ajuda quando isto puder ser feito sem prejudicar sua própria vida"; uma norma que estimula a ajuda mútua em casos extremos — um dos benefícios da vida em sociedade, afinal. Embora, rigorosamente falando, a concepção do direito à vida como uma liberdade não permitisse a obrigação de uns socorrerem outros, esta é uma exceção perfeitamente razoável. E a diferença é grande entre uma perspectiva em que uns são responsáveis pela vida de outros em tudo e uma que prega ajuda em situações extremas.

Finalmente, assim como recusar ajuda, interromper uma ajuda previamente praticada também não viola o direito à vida. Se alguém pratica caridade, e decide parar, não pode ser culpado por sua inação. Fazer caridade não cria a obrigação de continuar a fazendo.

O fundamento por trás de todos estes exemplos é o mesmo que embasa o próprio conceito de direitos. Seres humanos são independentes e racionais. Cabe a cada um prover para sua própria vida, ninguém tem obrigação de sustentar outros. Mas é vedado a todos agir contra seus semelhantes, negando lhes as liberdades que os permitem viver independentemente.

Posts da série:
- Direitos Sociais: aqueles que você paga mas não leva
- "Saúde não é direito humano". E daí?
- Direitos Legítimos (1): introdução
- Direitos Legítimos (2): Garantias x Liberdades / Direitos Positivos x Negativos
- Direitos Legítimos (3): a natureza humana
- Direitos Legítimos (4): Direitos como liberdades
- Direitos Legítimos (5): Vida
- Direitos Legítimos (6): Propriedade
     - Leis antifumo - banindo a liberdade
- Direitos Legítimos (7): Liberdade
Fonte: ocapitalista.com

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Pobres se dão bem; esquerdistas não gostam


Pessoas anticapitalistas estão sempre declarando que "estão do lado dos pobres" e, de fato, parecem ter tanto amor pelos menos favorecidos que querem que eles continuem na condição de pobreza pra sempre.

A Folha de São Paulo publicou hoje matéria intitulada "Empreiteira de luxo paga para morador deixar favela vizinha em SP", noticiando que a JHFS, a "empreiteira de luxo dona dos empreendimentos mais estrelados da zona sul de São Paulo, como Shopping Cidade Jardim, com suas luxuosas torres residenciais, além das três de escritórios, comercializadas a R$ 15 milhões o andar de 560 metros quadrados", está comprando "barracos que ficam a poucos metros das torres de escritórios", A matéria também faz questão de destacar que "os varais de roupas, as crianças andando de carrinho de rolimã e subindo nas árvores, os cachos de banana estão ao alcance da visão dos executivos".

O fato é que uma senhora ganhou 60 mil para deixar um imóvel que sequer era seu — e sim uma área pública ocupada ilegalmente (com o dinheiro recebido, pôde comprar um imóvel regularmente em outro bairro); outro indivíduo, cita a reportagem, está barganhando o valor que bem entende pela sua casa: relata, orgulhoso, que já vendeu o andar de cima de seu barraco por 12 mil e "só sai se ganhar mais 50 mil".

Ou seja, ambas as partes (moradores irregulares e a empresa) estão de comum acordo, e sem coerção estatal, fechando um negócio vantajoso para ambos. Algum problema?

Para a Folha, parece que sim.

Relata que, devido aos incêndios em favelas da cidade, há muita gente precisando de casa e indo ocupar o espaço das casas recém-compradas (e demolidas) pela JHFS. Preocupadíssimos, perguntam aos empresários o que farão para "impedir a reconstrução das casas derrubadas e a chegada de mais pobres ao terreno [sic]", nos deixando com a resposta "lacônica", segundo eles, de que os empresários malvados  — pasmem! — cometerão a audácia de cercar os terrenos que compraram legitimamente para impedir que "sejam invadidos por pobres".

Outra coisa que a Folha tenta sugerir é a "intenção mesquinha" por trás da ação. Para eles, os empresários estariam removendo os pobres dali simplesmente pra não terem que ver os já citados "varais de roupas, crianças andando de carrinho de rolimã e subindo nas árvores e cachos de banana que estão ao alcance da visão dos executivos". Este ponto é realmente interessante. Esquerdistas querem tanto, mas tanto, fazer de conta que estão do lado dos pobres que começam a romantizar a pobreza e declamar as maravilhas da precariedade — mesmo que os próprios pobres já tenham aberto mão disso, voluntariamente, para irem para uma situação melhor!

Para a Folha, decerto, o melhor seria que os empresários não cometessem o crime de oferecer dinheiro pelas casas dos pobres (ainda mais se fazem isso só porque não idolatram o modo precário de viver a vida...).

Enquanto isso, os pobres que aguardem alguma ação da prefeitura — que por sua vez respondeu que a favela "receberá recursos provenientes da Operação Urbana para tanto". Agora sim, gente bem intencionada! Mas que, pra variar, admitiu que "não há ainda uma definição de que tipo de ação está prevista para a área e seus moradores". E os empresários, depois de forçarem os pobres a aceitarem dinheiro em vez de continuarem esperando a boa vontade "sem definição de início" do governo, não teriam direito algum a não ser o de deixar os terrenos recém-adquiridos serem invadidos por outros.

A ação dos empresários é, sim, o capitalismo em sua essência pura fazendo um serviço, que muitos diriam ser do estado, só que sem onerar o contribuinte.

Mesmo a aquisição ou ocupação por particulares de áreas públicas sendo algo ilegal, ainda assim a ação dos empresários foi positiva: assumiram o lugar dos pobres numa eventual ação que o governo mova pra reaver a área (o que, aliás, seria uma estupidez, já que o governo não fez nada que prestasse com a área antes).