Por Pedro Carleial (com edições)
A definição mais comum de Capitalismo é alguma variante de “um sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção”. Esta definição é equivocada por vários motivos.
- Em primeiro lugar, o direito à propriedade é um conceito político e não econômico. Trata-se de reconhecer que tudo o que tem valor para o homem é produto do esforço produtivo de alguém, e garantir ao criador de cada valor o direito de fazer o que quiser com aquilo que produziu.
- Em segundo lugar, a definição faz uma distinção irrelevante ao especificar a propriedade privada de meios de produção. Rigorosamente todo produto material do esforço humano é um meio de produção em potencial.
Mesmo um bem de consumo é um meio de produção – ele permanece totalmente inalterado da saída da fábrica, passando pelo operador logístico, pelo atacadista e pelo varejista. Mas cada um destes o usa para produzir valor: trazendo o produto para perto de quem o deseja.
E o bem de consumo de um é o meio de produção de outro. Uma pessoa pode usar o leite comprado no mercado para colocar em seu cafezinho. Outra usa o mesmo leite para fazer um bolo para vender.
Não existe distinção real entre “bem de consumo” e “meio de produção”. A distinção está apenas em como cada um usa um dado produto: para saciar suas próprias vontades ou para produzir algo que saciará as vontades de outros.
- Finalmente, apenas a garantia formal da propriedade privada é insuficiente. Nos regimes fascistas e no moderno “estado regulador” a propriedade é nominalmente privada – mas o governo determina o que se pode ou não fazer com ela. Na prática, esta violação da liberdade anula o direito à propriedade. O que significa ser “dono” de uma propriedade se você precisa da permissão de outro para usá-la?
Como surge o capitalismo?
Nos posts passados, falamos sobre os direitos a vida, liberdade e propriedade. O que aconteceria se tivéssemos uma sociedade em que a atuação do estado se limitasse a proteger estes 3 direitos de TODOS os cidadãos? Parafraseando John Lennon em sua "Imagine":
Imagine um mundo em que cada pessoa é dona daquilo que produz - direito à propriedade.
Imagine um mundo em que cada pessoa é livre para dispor daquilo que produz - direito à liberdade.
Imagine um mundo em que cada pessoa tem sua vida protegida, de forma a poder exercer os dois direitos acima - direito à vida.
A vida sob um governo legítimo, o que significa um governo que defenda estes direitos individuais, é uma vida em que se está livre da ameaça dos outros, mas se está inteiramente responsável pela própria vida.
Se alguém quer ter propriedade, terá de produzi-la. Se não é capaz de produzir aquilo que quer, terá de produzir algo que os outros queiram – para poder trocar por aquilo que deseja. Porque existem o direito à liberdade e o direito à vida, ele não pode ameaçar nem coagir ninguém a ajudá-lo nem a saciar suas vontades, precisa convencer as pessoas a fazer o que quer que façam.
Um sistema onde as pessoas são donas daquilo que produzem e o trocam por comum acordo, não é sistema econômico nenhum. O Capitalismo é simplesmente o que acontece naturalmente quando as pessoas estão livres de ameaças contra seus direitos.
O “sistema" capitalista é, portanto, um mito. Não existe ninguém “organizando” nem ditando as coisas no Capitalismo. Não existe ninguém determinando quem deve fazer o quê. Não existe “sistema” exceto a proteção dos direitos individuais – e isto é um sistema político, e não um sistema econômico.
Quando não se pode obrigar alguém a lhe dar o que você quer, é preciso convencê-lo. O meio de fazer isso é trocando o que você quer e ele tem pelo que ele quer e você tem. O dinheiro é uma ferramenta que facilita estas trocas.
Quando se tem propriedade acumulada, é natural que se procure obter dela o maior benefício possível. Um meio de fazer isto é usando-a para a produção. O “acúmulo de capital” não é parte de um “sistema”, é apenas o que as pessoas fazem naturalmente para melhorar sua condição de vida no futuro.
Não existem “classes” no Capitalismo porque não há sistema no Capitalismo. Existem ricos e pobres da mesma forma que existem pessoas bonitas e feias, inteligentes e burras, empenhadas e folgadas. Cada um produz de acordo com sua capacidade – e para seu próprio proveito. A “desigualdade” é parte da natureza humana, e não algo "causado pelo sistema capitalista", como alegam alguns. (É claro que, assim como é da natureza humana haver feios e bonitos, burros e inteligentes e nem por isso vamos defender que as pessoas não possam buscar educação ou tratamentos estéticos, pode-se também buscar amenizar a desigualdade. A questão fundamental é que qualquer busca por isso deve ser feita sem violar os direitos de outros).
Como ninguém planeja nem impõe a estrutura econômica no Capitalismo, chamo-o de “organização econômica”, e não “sistema econômico”. O que caracteriza esta organização econômica é ser o resultado natural da livre ação de todos os indivíduos, quando lhe são assegurados os direitos individuais.
Portanto,
Capitalismo é a organização econômica que resulta do sistema político de direitos individuais à vida, propriedade e liberdade.
Neste blog, tomo a liberdade de chamar o próprio sistema político de Capitalismo – por ser inseparável dos efeitos econômicos conhecidos por este nome.
Uma vez compreendida essa ideia, veremos que praticamente toda a crítica anticapitalista na verdade vive de botar nas costas do capitalismo coisas que não são, absolutamente, capitalismo. Por exemplo, quando as pessoas reclamam que "No capitalismo os governos dão dinheiro da população para salvar os banqueiros", isso é realmente culpa do capitalismo? Vejamos: o capitalismo se baseia na propriedade privada. Como pode um sistema baseado em roubar dinheiro (propriedade) de uns para dar a outros ser capitalista? Não pode.
Uma vez compreendida essa ideia, veremos que praticamente toda a crítica anticapitalista na verdade vive de botar nas costas do capitalismo coisas que não são, absolutamente, capitalismo. Por exemplo, quando as pessoas reclamam que "No capitalismo os governos dão dinheiro da população para salvar os banqueiros", isso é realmente culpa do capitalismo? Vejamos: o capitalismo se baseia na propriedade privada. Como pode um sistema baseado em roubar dinheiro (propriedade) de uns para dar a outros ser capitalista? Não pode.
Os próximos posts serão dedicados a comentar este tipo de crítica equivocada, na série que vou batizar de "Bota na conta do Capitalismo", mas se você quiser expor questionamentos deste tipo (e certamente haverá muitos, pois passamos nossa vida ouvindo que o Capitalismo é raiz dos males do mundo), fique à vontade para usar o espaço dos Comentários, logo abaixo.
Antes, um adendo:
Como saber se uma economia é capitalista?
Como visto, o Capitalismo não é um sistema. A existência de bancos, empresários, indústrias, dinheiro, trabalho assalariado, juros, nada disto precisa ser estabelecido pelo governo. Todas estas coisas surgem no Capitalismo, mas não são elas que fazem de uma economia capitalista. Não se pode caracterizar o Capitalismo por seus sintomas, pois é possível estabelecer estas e outras instituições típicas do Capitalismo pela força governamental.
O Capitalismo só pode ser identificado por suas causas, ou seja, pelo sistema político que o origina. Em um dado contexto, se os agentes econômicos têm assegurados seus direitos individuais então suas relações produtivas são capitalistas. Na medida que seus direitos à vida, propriedade e liberdade são ameaçados, suas relações deixam de ser capitalistas.
No mundo de hoje não existe país que seja completamente Capitalista. Na história a nação que mais se aproximou deste sistema político foram os Estados Unidos da América, no século 19. O que se encontra hoje no mundo ocidental são grandes economias mistas, em que os direitos de propriedade e liberdade individual são violados pelos governos em maior ou menor grau.
No Brasil o governo interfere em praticamente todos os aspectos da vida do cidadão, violando rotineiramente seus direitos à propriedade e à liberdade. Além de roubar o cidadão diretamente através dos impostos, impõe um sem número de regras estabelecendo o que o indivíduo pode ou não pode fazer com aquilo que lhe pertence. O governo é dono da empresa que domina 90% da atividade petroquímica, regulamenta pesadamente a importação e exportação dos produtos, taxa abusivamente a compra e venda dos produtos e ainda se declara dono de toda a reserva mineral do país - se você achasse petróleo na “sua” terra, não poderia explorar!
Em contraste, não existe empresa governamental de maquiagem. Embora sem dúvida existam inúmeras regulamentações sobre produtos de estética, e eles sejam sujeitos a tributos e restrições de importação e exportação, não há regulação específica desta indústria. Existem grandes e pequenas empresas privadas, com os mais variados modelos de negócio.
Comparada com a indústria petroquímica, a indústria de cosméticos é muito mais capitalista: quem desenvolve, produz, comercializa, compra e usa cosméticos o faz com muito mais liberdade.
A privatização, ainda que em regime de concessão, das grandes estatais de telecomunicações no Brasil dá um contraste claro entre situações de menor ou maior Capitalismo. Enquanto era uma indústria estatal, a telefonia no Brasil era cara, ruim e tecnologicamente atrasada. Quando se passou a respeitar parcialmente a propriedade privada nesta indústria, ocorreu uma revolução na qualidade, acessibilidade e preço dos serviços.
Mas a telefonia no Brasil ainda não é capitalista. A permissão para atuar no mercado é por concessão governamental. Os serviços e preços são regulados pelo governo. O verdadeiro Capitalismo faria o que vemos hoje parecer tão atrasado quando nos parece hoje o velho sistema onde uma linha de telefone custava milhares de reais e demorava meses para ser instalada.
Onde existe Capitalismo no mundo de hoje? Não há um país que seja completamente capitalista, que defenda consistentemente os princípios do sistema político dos direitos individuais. Há, no entanto, países que se aproximam muito deste ideal, e outros que não o veem nem ao longe. Nos países mais livres, há setores da economia que são praticamente Capitalistas – em que por algum motivo o governo não interfere.
Como Capitalismo se identifica pela defesa de direitos, a liberdade é o melhor indicador de quanto um país é capitalista. A Heritage Foundation publica anualmente um índice de liberdade econômica, um bom indicador de quanto cada país se aproxima do Capitalismo.
O Brasil aparece em 100º lugar no ranking de 2013. Aqui há bancos, empresários, assalariados e tudo o mais. Em teoria existe a tal “propriedade privada dos meios de produção”. Mas aqui nunca houve Capitalismo.